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quinta-feira, outubro 13, 2005  


Os nervos vermelhos


As pontas aparadas, deliberadamente. É ponta ou é aresta? De cabelo eu sei que é ponta, mas e de chapéu? Cantei que se não tivesse 3, não seria o meu. Porque foi o dia mais quente da primavera.

Nós duas estalando, fritando, nos liquefazendo enquanto deslizávamos, em câmera rápida, entre os postes de luz apagada, porque já era dia. De mãos dadas, duas meninas de mãos dadas, não nos importamos com o que significa hoje em dia. Porque as nossas pupilas, ai, as nossas pupilas. Tão grandes que ninguém percebia que o olho dela era claro e o meu, não. Só me lembro que tudo foi passando, passando, o sol batendo nas janelas, as faxineiras se aventurando lá no alto pra limpar os vidros, a lagoa acordando, a hípica, tudo, mas tudo muito veloz. E depois acordei numa salinha; a enfermeira veio me chamar, disse que eu ia ter alta. Tentei perguntar a um rapaz o que é que tinha me acontecido.
Ele não sabia.

Voltei pra casa. Senti uma exaustão que não fazia sentido, e comi um pãozinho com manteiga porque já devia estar há muito tempo em jejum. Me deitei. Nem-sei-quantas horas depois o telefone me acordou. Fui me lembrando, devagarzinho, me lembrando. Quanta merda. Estava com febre, um pouco. A cabeça em combustão espontânea. Acendi uma vela pra São Tomé porque, se eu não visse, nunca ia conseguir crer.

Dizem os mais velhos que o problema do mundo é falta de fé.
Acho que o problema da fé é a falta do mundo. Inventaram esses recipientes que se fecha a vácuo (pros biscoitos não ficarem moles, sabe?) mas alguma coisa se inverteu e quem ficou duro mesmo fomos nós. Se você prestar atenção, dá pra escutar o barulho do indivíduo do lado sendo mordido, parece salgadinho de criança. Mas também, uma vez que a gente é quebrada, entra em contato com a saliva quente e também derrete. E foi por isso que te chamei naquele dia pra ver um filme do Lynch. Ver se a gente parava de ser tão rígida e se tornava à prova d'água quando chovesse, já que todos os meus guarda-chuvas entortam. Ou então somem mesmo. Teve aquele dia que os três foram ao maracanã e cada um levou o seu guarda-chuva. Era torrencial, disseram que era culpa do Nelson Rodrigues. E aí todos os 3 esqueceram seus guarda-chuvas lá, o time deve ter vencido.
Tá vendo como eu não me esqueço das histórias? Eu também amo muito vocês, sempre, pra toda a vida. Vou deixar isso escrito em algum lugar, com a minha letra, não importa se é cafona. Agradecer por todos os pedaços de bolo de laranja com chá de capim limão. Fico em carne-viva só de pensar.

Agora, e se o tempo for um fio mesmo?
Se for, não há mais solução e certamente tem alguém feliz com isso; acho que até já sei quem. Fui balançando a cabeça, olhando pro chão, pensando: estou me repetindo, estou me repetindo. Então fui encontrar com eles no restaurante mas, quando cheguei, sentei no bar. Não falei com ninguém porque queria fazer uma promessa antes.
Sentei naquele banco alto, que deixava os pés balançando, e olhei lá dentro dos líquidos de cada garrafa na prateleira. Falei: nunca mais vou topar nada. Acho que ninguém ouviu; melhor assim, sem testemunha. Pra não vir ninguém catar os meus pedaços depois, e dizer: você sempre soube que isso ia acontecer, que coisa horrível de se escutar. Mas quanto a você, tenta, sim. Nunca entendo nada do que você me escreve mesmo. E me desculpa se nunca te deixei me dar um beijo. Devia ter deixado.

O menino, tão preocupado:
- Doutora, é que minha mãe tem muito problema de nervos
- Mas ela tem algum outro problema, pressão alta, diabetes?
- Não, só de nervo mesmo.
   posted by Fernanda at 8:55 PM (imagens)

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