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quinta-feira, setembro 15, 2005  


tarde, frio


Se não entenderem porque eu fiquei obnubilado quando te vi chegando sozinha daquele jeito não importa. Pedi uma caipirinha, mas não te deixei ver, ia parecer que eu era covarde.

Eu sou um covarde.
E depois cheguei pertinho pra tentar me lembrar de todos os perfumes misturados que você renegava. Que eu distingüía, um por um, bem perto de onde as suas artérias pulsavam, e o que sobrava era algo cítrico-silvestre-com-amêndoa-e-hortelã. Em baixo de tudo a sua densidade que, na realidade, era tão delgada que arrebentava a cada cinco minutos e, com o tempo, foi ficando transparente, e dava pra ver por baixo de você, o que por muitos meses deixou as pessoas muito nervosas. Mas depois muito encantadas. Querendo mexer no seu cabelo.

Se eu fizesse uma reestruturação na minha agenda de telefones, se eu conseguisse restaurar aquela foto da sua avó pequena, se eu editasse aquele vídeo que eu filmei de você arrumando o seu armário e tirando lá de dentro as inutilidades mais absurdas. E te entregasse isso tudo. Será que você se lembrava de quem eu fui?
De quem a gente foi? Tá ficando tarde, sabe. Não vai dar tempo.

Olhei pela janela: o professor estava falando sobre a queda dos juros, e você não se interessava, tentava, mas não conseguia, ficava descascando o esmalte da unha. Naquela hora você quase me viu e eu pensei que talvez fosse mesmo melhor não porque eu não tinha certeza se ia continuar querendo te compreender tudo de novo, desde o princípio. Porque nunca ia conseguir terminar e olhar e dizer: eu te entendo. Cheguei até a correr à farmácia e comprar acetona mas, quando voltei, você já tinha tirado tudo.
A roupa. E entrado na piscina, mesmo com chuva, mesmo com medo de raio. Ninguém viu, só eu. Você lá, dentro d'água, debruçada na borda e falando um monte de coisas bem baixinho. Com uma das mãos fazia conchinhas, enchia de água e molhava a beirada: não sei se tentando esvaziar a piscina mais depressa do que a chuva enchia ou se tentando deixar o lado de fora mais molhado do que a chuva deixava. Vai ver que queria me falar de novo: ao invés de pôr a água pra fora, quando cheguei, pus pra dentro. não deixei cair uma gota, nenhuma, você ia ter ficado orgulhoso. Mas nem assim fazia sentido.

Quis dizer que tinha ficado contente ao saber que você ia voltar a estudar as profecias do seu trajeto e desemaranhar o barbante de um lugar. O mesmo lugar, pro qual você sempre voltava quando acabava o combustível. Você me dizia assim: só quero ver o mar.

Depois pôs a roupa alinhada do trabalho e avisou que não agüentava mais ficar dentro de casa, que ia assistir um filme do Bergman. Não quis que ninguém fosse junto. Quando voltou, tinha muito mais gente, só que você, não. Só luz. E pele e gestos e opiniões e jogo sem jogar. Eu nunca sabia definir o seu charme, e eu detestava essa palavra, por isso não dizia nunca. Não ter muita idade não significa muita coisa, afinal. Boa nem ruim.

Percebi que não tinha mais nada meu, nem retrato, nem nada. Fiquei com o orgulho ferido, quis procurar algum calor na moça bonita que tinha se mostrado interessada outro dia. Mas as coisas não são assim.

Eu sempre vou misturar os pronomes dos teus e dos seus e dos meus. Você nunca vai se lembrar de nada. Vou ficar olhando pras minhas mãos, te espiando atrás das esquinas que você dobra, nos cruzamentos que você não fecha. Me perguntando, todo o tempo, o que eu teria feito, outrora.
Com o nosso. Que era tão nosso.
   posted by Fernanda at 8:43 PM (imagens)

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