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quinta-feira, setembro 22, 2005  


Anjo da guarda



Todo mundo esperando uma segunda chance pra refazer as besteiras ou então uma distração do sabor amargo que foi se depositando aos poucos, enquanto se despia muito vagarosamente e alteradamente. Pra sentir alguma outra coisa que não seja isso.

Nos últimos resíduos, a palavra que pinga sobre as nossas cabeças, e que a gente evita pronunciar pra não admitir que tem: esperança. De um dia inventarem um lugar pra onde não se leva escombros. Pra onde a viagem não tem intercorrência, o percurso macio, sem turbulência, porque a gente voa acima de tudo. O que é uma armadilha, então, cuidado: colocar-se acima de tudo. Tem tanta gente morrendo disso.

Um mosaico de coincidências. Todos os órgãos, o céu, o jornal de ontem, a música bem na hora, as crianças com mais medo do que dor. Tudo fatalidade. Uma hora você escolhe o seu papel, porque a não-ficção é um risco doido, e foi proibida, parece que agora todo mundo tem que escolher o que vai ser. Como desgastar o brilho todo de uma vez só, pra depois lustrar novamente e telefonar pra mãe e choramingar - vem me buscar.

Tem faltado um dos sete elementos que não se compra e também não se desenvolve. Cadência. A única coisa não-linear sem prazo de validade é filme. O resto: primeiro é mágica, depois é absurdo. Os direitos ficam todos seqüestrados por um tempo que - das duas uma: ou não chega, ou não passa. O difícil é não perder o dos outros. Responsabilidade grande: guardar alguma coisa que não é sua. Tempo nasceu assim mesmo, sem sinonímia, recurso não-renovável. E, mesmo assim, a gente teima em empurrar ele de volta, pra dentro do tubo, não é? Pensamos assim: um dia ele cansa e vai ter de sobra. Pras segundas chances, pros primeiros erros, a coleção de arrependimentos. Que todo mundo jura que não tem. Tenho uma pergunta: por quanto tempo o indivíduo consegue ficar fraco sem perder a vontade de acordar no dia seguinte?

E qual é a função primordial da menina bem no meio?
O nome dela é tão lindo que não consigo parar de falar. Fico repetindo, repetindo, pra ver se fica inscrito em mim, pra eu poder tomar coragem e ir até a sua casa lhe agradecer. Levo aquele cachecol que gastei uma noite inteira pra fazer, todo em ponto de cruz. Mas de repente melhor seria esperar até o próximo ano, o calor está chegando mesmo. Vê, a gente arranja desculpa pra tudo.

Eu sei muito bem o que aconteceu: no dia em que eles se conheceram ele foi defendê-la mas ela estava acostumada a ser sempre forte, sozinha, nem percebeu, nem mesmo no final de tudo, quando se despediram, e ele sorriu. Antes disso, pela primeira vez em doze horas, sentou-se. Estavam a sós: ela apoiou os cotovelos da mesa e segurou a cabeça com as mãos, traduzindo a pessoa em estafa crua. Ele perguntou: te consome muito, né? Ela não respondeu, virou a cabeça devagar em direção a ele. Parecia cansado. Era mais jovem, mas dava a impressão de estar ali para protegê-la. Pois ninguém mais se deu ao trabalho. Mas, não, ela não percebeu. Olhou-o mais uma vez. Ele parecia gostar de jogar bola: cabeça de área, ela apostou. Deve ter um ciúme danado da irmã, se é que ele tem uma. Deve ser feliz.

No meio disso tudo a avó diz: menina, vai dar uma volta, vai brincar, vai descobrir o mundo. Só que cada choro tem uma causa, ó: um dia foi porque a goiabada acabou, outro dia foi porque o gato sumiu, no outro foi porque o bicho picou e no outro foi só manha mesmo.

No meio disso tudo, o pai diz: menina, pensa bem, tem certeza de que é isso que você quer pra sua vida? Só que acabou escrevendo as cartas certas pras pessoas erradas, e não teve jeito, acabou entrando no antibiótico.

É só dentro do carro, muito tarde, numa avenida estranhamente deserta. Só aí que a gente se esquece das peças que faltaram. Que a gente descobre. Porque resolveu fazer tudo aquilo. E porque amanhã vai fazer de novo. E de novo.

E de novo.
   posted by Fernanda at 1:25 PM (imagens)

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