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quinta-feira, agosto 25, 2005  


Ampulheta. Ou:
O dia em que eu cantar Chico Buarque pra não te deixar dormir



Do começo até o fim da consulta, eu e você, a gente fica só jogando sinuca com os olhos. Sempre nunca falar nada: deve ter aprendido isso em algum filme japonês. Ou seja qual for a nacionalidade daquele cinema em que uns sujeitos ficam sentados durante uma hora e meia pra tentar encontrar beleza em overdoses e pra ouvir silêncio. Mentira, porque sempre tem alguém se mexendo na poltrona, alguém com pigarro de gripe ou de cigarro, alguém comendo. Silêncio mesmo não existe. Ou pelo menos assim eu acreditava - até eu começar a te freqüentar. Você é essa grande quadra polivalente deserta num campus universitário longínquo, aonde eu vou quando a noite vem, pra tentar dar uns murros em absolutamente nada e escoar os líquidos todos que estão aqui dentro de mim, se estagnando à toa. Então, se eu quiser, me deixa chorar, tá bom? Não diz que é anti-ético.

Teve um dia que tava chovendo e você deixou o agasalho pendurado atrás da cadeira. Quando você foi ao banheiro juntei tudo o que você já tinha desembolsado, todos os seus cheques, todas as suas notas, moedas e coloquei no bolso do seu casaco. Fiquei esperando pra ver o que acontecia. Mas passaram cinco ou seis semanas e você continuou vindo normalmente, sem dizer nada. Nem assim, nem se eu admitir que não fiz nada por você, que é assim que as coisas são mesmo mas que, não sei, tem algum instrumento desafinado. E mesmo que interrompa o concerto mil vezes e mande todo mundo afinar, um por um, nunca descubro qual é. Pronto, foi por isso que te devolvi o dinheiro. Você chegou a guardar de novo ou deixou a máquina-de-lavar triturar tudo e sentou no chão pra poder assistir pela janelinha?

Todo mundo acha que está violando correspondência quando falo dos nossos encontros. Então não conto mais nada a ninguém. Agora eles pensam que tenho um grande segredo. E você pensa que eu tenho um grande segredo. E, olha, eu não queria dizer pra não dar o braço a torcer, mas é verdade, eu tenho mesmo. Mas não é nada que eu não tenha te confessado, quando estava na vez do meu olho jogar boliche com o teu.

Mas eis que, nos últimos sete minutos do último encontro, você resolve dizer. E me conta tudo sobre as tuas vidas passadas. Engraçado, né, que em todas elas você trabalhava com algodão e terminava morrendo de bissinose. Eu disse que pelo menos não era câncer, e te perguntei se você sabia que churrasco dava câncer. E você não ficou tão surpreso e disse que fazia sentido porque o carvão é altamente cancerígeno. Mas aí soou aquela campainha que você conhece: terminou o encontro. Não é como se a gente estivesse fazendo algum progresso, de qualquer forma.

Às vezes, muito ocasionalmente, a gente engana o tempo e volta a ser o que era antigamente: sem precisar de hora marcada, sem fazer barulho pra tapar os buracos sem diálogo. Sem essa dor que a gente não consegue apontar - é aqui que dói, ó. Mas é tão raro que sempre que acontece eu faço questão de olhar pra cima. Pra constatar que existe um teto e não vai desabar um temporal, inundando tudo, sobre mim e sobre você. Que me olha como se estivesse me preparando uma festa surpresa e me pergunta coisas muito complicadas que eu descubro serem, na verdade, muito fáceis de se responder. A gente fala de umas coisas tão bonitas sem precisar pensar, e ninguém sente medo de nada. Só que isso dura, no máximo dos máximos, quarenta minutos. Depois parece que um esquece como se fala a língua do outro. De novo. Aliás, pra que serve mesmo a linguagem? Nem lembro mais.

É aqui que você pensa que me investiga, não é? Acha que eu não sei, que eu não percebi até hoje. De repente, um dia, eu apago tudo isso. Só pra ver se você fala, se você ouve, se você deixa.

Mas, não. Esquece toda essa prova, mais uma, que você tem contra mim. Sabia que eu tenho estudado geometria todo dia antes de dormir? Pra ver se um dia eu ganho a aposta. Aquela que a gente fez desde que começou a soltar pipa com os olhos. Foi pipa, boliche ou sinuca? Sempre me esqueço.

Agora. Que é intervalo pra gente tomar uma coca posso até dizer quem eu sou. Pouco me importa se você quer que eu diga, se não quer, foda-se. Sabe essa vontade que você sente? Essa de entrar lá dentro mesmo, com pleonasmo e tudo, com roupa e tudo, dentro de tudo, só pra olhar, só pra sentir? Então. É isso que eu sou. Essa sua vontade. Que (não importa onde você esteja. com quem você durma. todas as verdades que você não diz.) nunca vai te deixar em paz. Nem quando você pensar que os estudantes foram pra casa pra passar as férias e que você finalmente pode dormir. Porque eu vou lá. Saltar e te iluminar.
Quando a noite vier.
   posted by Fernanda at 6:40 PM (imagens)

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