Bebel
Bruna
Coga

Francisco
Gabi
Gil
Joana
Ligia
Mari
Moca
Rabuja
Rosana





Arquivos





sábado, maio 14, 2005  
A lista mais relida do mundo


Sabia que seria traída tantas vezes, tanto tempo, em olhar gesto beijo cheiro conversa cheia de pontinho de luz colorida em dia frio. O vento no cabelo, os sorrisos inoportunos, as palavras (ai, as palavras) de mel das outras. Mas, ainda, não sentia nada espetando-lhe a sola dos pés (pra fora da coberta). Por isso ia pros lugares que só ela achava bonitos, mesmo quando ninguém mais acordava naquele dia, pra dirigir 60 km. Se extraviava entre as cartas que escrevia com caligrafia caprichada e as agressividades que não transbordavam a beiradinha do olho.

Um: teve um dia que, ao invés de ir trabalhar, andou no sentido contrário e pegou o bonde para santa teresa. Escolheu uma rua muito íngrime, retalhada de paralelepípedos falhados, e tirou da bolsa refinada um par de saltos ainda mais. Pensou que talvez seria hora de aprender a usá-los. Equilibrou-se a manhã inteira, a tarde inteira, tocando por dentro umas valsinhas francesas. Tentou converter polegadas em centímetros, libras em quilogramas, assim, só pra fingir. Todo minuto tem alguém fingindo alguma coisa.

Dois: fez uma lista com todos os motivos para ir embora de uma vez. Hoje ou amanhã, sem dizer nada a ninguém. Resolveu que letra de fôrma seria mais apropriada mas, quando olhou no verso, achou engraçado: tinha uma lista de feira. Apoiou o cotovelo num dos degraus azulejados pra escrever. Quando os ítens esgotaram-se, todos, colocou assim, embaixo de tudo: como é que se faz pra errar pouco, bem pouco?
Só que esqueceu o papel no bolso da calça e, mais tarde, quando entrou no mar pra lavar o calor, a água molhou as palavras, borrou as razões, e também as verduras e as frutas. Então o choro dela molhou o atlântico, que era sempre tão austero diante dos arrependimentos. Começou a achar que tudo no mundo é irreversível. Que teria que ficar presa (com tachinha, no mural de cortiça) até deletar tudo o que tinha ficado no fundo da memória. Ou pra sempre, porque sempre se lembrava de tudo. A não ser do papel no bolso da calça.

Três: tinha um casal saindo do sebo. A namorada era meio gordinha mas ele gostava dela tanto mas tanto que ficou tão feliz e ficou tão linda e virou um mito pra um monte de gente. Escreveram uma poesia, pintaram um quadro, fizeram até cinema, dizem. Será que existe alguma homenagem mais bonita que cinema?

A coisa de querer ser os outros: não conseguiu disfarçar quando foi descoberta tentando se transferir pros compartimentos alheios: deu risinho amarelo, levantou, foi embora. Tinha tanta vergonha de parecer fascinada que foi correr uma maratona na 28 de setembro, que lugar.

Encontrou com um menino lindo. Sugeriu que brincassem de marco-polo porque, na realidade, era peixinho fora d'água. O pequeno sabia a dos pintinhos venham cá, sabia a do elefantinho, sabia a da galinha choca. Sentiu-se um pouco vazia, muito boba, muito velha, por não poder ensinar-lhe novidades. Inventou uns animais com super-poderes, um marshmellow no espeto do churrasco. Costurou a noite em gargalhadas com moldura de dente de leite. Foi dormir sem inquietude.

No dia seguinte resolveu fazer compra de esmalte; saiu da loja com 7. Porque nunca tinha feito compras de nada, estabelecido a relação entre aquelas frivolidades na vitrine com o dinheiro que trazia dentro da bolsa. Comida não conta. Precisava comprar pão, remédio pra pressão e, se pudesse, os sorrisos dos pedestres: Por que será que tudo resolveu simplesmente faltar?

Podia ouvir o tilintar comemorativo dos copos de cristais através da parede de vidro de um daqueles restaurantes. E achou que, na rua, todo mundo estava tão bonito; devia de ser alguma ocasião especial.
Mas tinha medo que pensassem que ela fosse desequilibrada. Sobre os saltos, é claro. Porque, às vezes, alguém dizia uma palavra ou uma frase gozada, e ela ria. Depois percebia que ninguém mais tinha rido. Porque não fora nada; só diálogo. Mas havia dias em que até o céu se levantava engraçado. E aí tinha que aproveitar pra não ficar competindo nada: se todo mundo é pó de estrela de que adianta?

Perguntaram como ela havia aprendido a andar de saltos. Tão elegante. Sorriu e deu de ombros: tinha momentos em que não precisava mesmo de mais ninguém.
   posted by Fernanda at 2:28 PM (imagens)

Comments:



Comments:


Powered by Blogger
Site Meter