Bebel
Bruna
Coga

Francisco
Gabi
Gil
Joana
Ligia
Mari
Moca
Rabuja
Rosana





Arquivos





segunda-feira, janeiro 31, 2005  

Sobre o contínuo esquecimento dos contornos borrados

Aquela vez escrevi assim:
"hoje perdi capacidade distingüir normal patológico." Entreguei à moça do correio e torci pra você me desculpar a mediocridade. Eu só tinha grana pra 6 palavras. Não dormia há 3 dias, tinha 340 páginas pra ler. Em 24 horas. Merda de vida.

Mas nunca deixei de ter domínio sobre aquelas constatações bonitas que eu fazia de madrugada e projetava no teto, em cima da nossa cama.
Te espiava dormindo. Eu, dormindo. Te espiava. Dormindo também.
Depois era a sua vez.

Queria ser mais empreendedora das minhas vontades. Você quase perdeu o controle todo quando eu disse isso. Fiquei até com medo, um tico. Mas foi sutil, fingiu não dar muita importância praquele drama todo. Achei bonito. Espremeu tudo dentro. Quase tudo.

Depois chegou na janela. Ficou em pé no parapeito. Tomou impulso e tentou cair. Mas não conseguiu de novo. Voou pra longe, bem longe.
Corri até a janela pra te ver, olhar pra você me olhando lá do alto. Tentei me lembrar daquela poesia pra te gritar, aquela que você me disse que gostaria de ouvir de baixo pra cima. Porcaria de memória. Não veio. Fiquei com raiva, cerrei os punhos.

O vento te soprou pralém do meu alcance visual. Você sempre quis saber onde terminava o azul todo; e se as nuvens eram mesmo frias como eu tinha dito. Mas não havia nuvens nesse dia. Havia aviões aos montes. Daqueles que passam na praia com faixas propagandistas. Achei que de repente você pudesse pegar uma carona de volta.

Pus o Coltrane pra tocar e fui fazer comida. Quis que você estivesse por perto com o alho dourando. Te ouvir falar que aquele cheiro te dava fome. Que a gente come pelo nariz. Me perguntar por que é que eu nunca choro quando corto cebola. E depois me atazanar com as proporções das fôrmas, a diferença entre o mel e o melado, me perguntar se eu já encontrei a tal da araruta. Eu só queria saber por que os bolos solam. Sempre termino dizendo uma coisa dessas, e a gente lava a louça junta.

Na verdade, quanta coisa eu já falei que, teoricamente, não interessava. Estavam pensando que eu me sentia sozinha por causa daquela maluquice que eu inventei: que cada ser humano tem que abraçar outros 10 por dia pra não ter câncer. Talvez isso interessasse. Mas eu não tinha dinheiro pra escrever sobre o que estavam pensando de mim. Porque a gente tinha combinado que sempre que não tivesse tempo ia falar que não tinha dinheiro. Fiquei um monte de anos achando aquilo a coisa mais engraçada do mundo.

Mas então. Tinha um pessoal preocupado comigo, e o que eu achava? Eu não achava nada. Não tinha dinheiro pra ficar pensando nessas bobagens. Tinha que pensar como eu ia fazer pra ir do centro até em casa em 10 minutos, pra poder tomar um banho, dar a comida do cachorro e pegar o carregador do celular. Tinha mais umas 20 coisas que acabei tirando da lista. Pensei que era melhor não me iludir.

Você entrou pela porta um pouco antes do almoço ficar pronto. Perguntou se eu já tinha recordado a poesia. Eu tinha desistido, pedi pra você me contar. Debochou, disse que a minha memória não era mais a mesma. Implorei pra você contar. Não quis. Deitou no tapete e ficou rindo. Eu disse que não estava achando a menor graça. Mas até que estava. Falei pra você sair daquele chão empoeirado e tomar um banho, pra gente poder almoçar. Veio me beijar e foi lá pra dentro, cantarolando o jazz que eu tinha posto pra me fazer companhia.

Outro dia sonhei que li no jornal que tinham encontrado a pessoa mais repugnante do país. Logo abaixo tinha uma foto minha, e uma entrevista completa, que eu não me lembrava de ter concedido. Umas coisas que era bem capaz mesmo de eu ter falado. Fui até a cômoda no escritório pegar uma tesoura pra recortar a matéria. Pra te mandar junto com o próximo telegrama. Mas quando voltei não estava mais lá. Era outra pessoa, outro assunto. Acordei com uma sede danada e pela primeira vez me arrependi de nunca ter dormido com um copo d’água do lado. Agora imagina como eu teria ficado pobre se tivesse te escrito essa besteira.

Anjo. Dia desses teve a maior ressaca. Você teria gostado de ver. Sabe o que eu descobri. Que tem tanta gente nessa vida que eu já amo e que ainda nem conheci. Tenho me declarado pruns estranhos que me vendem coisas, me dão informações, me tratam bem. Me sinto contente. Uma calma absurda dentro de tanto caos. Não tenho tido pressa. Nem aquelas dores de cabeça.

Da próxima vez que a gente se vir vou te cantar uma música do Caetano. Só porque você sempre achou que eu detestava tudo o que ele fazia. Bem. Nem tudo. Nem sempre.

E também, né, tem coisas que mudam.
   posted by Fernanda at 2:09 AM (imagens)

Comments:



Comments:


Powered by Blogger
Site Meter