Então, se o silêncio é a tela branca da música, e eu faço música e faço palavra, quer dizer, compro palavras pra fundi-las entre si, talvez a compensação venha sob forma de pincel. Pintar tudo de branco. O instrumento, esses escritos todos, todos os meus pertences. (Já pensei nisso tantas vezes.) Tenho essa relação de amor e ódio com o branco. Mas dessa vez tentarei me manter neutra.
Não aprendi a me calar na hora certa. Assim, como quem não aprende a assobiar. Faço silêncio em todas as arestas inconvenientes do dia. Só sei suportar silêncio se não tiver que sustentar um diálogo em cima dele. Se não estiver compartilhando esse negócio de existir com mais ninguém. E, mesmo assim, se já tiver ouvido todo o jazz que tenho aqui.
Mas entre o eu de cá e o você de lá, não sei, não.
Já sonhei com uma conversa inteira protagonizada pelos nossos olhos. E mãos e expressões. De repente você subia na mesa e gritava: todo mundo aqui já perdeu! E se sentava de novo, e olhava pra mim, doce. Não existia nenhuma irritabilidade em tudo aquilo. Passava muito tempo. E ninguém acendia cigarros. Quando o silêncio se torna incômodo e não se sabe o que dizer acendem-se cigarros. E aí eu teria ido embora. Cigarro é imagem demais pra mim. E olha que eu gosto de Warhol, Haring, Lichtenstein. Mas aí você me olhava, e sem me julgar. Nunca tinha visto um olhar sem julgamento implícito antes.
O silêncio costumava ser uma forma de testar a audácia das pessoas, o instinto de preservação em relação a seus próprios mistérios. A coragem de manter uma situação teoricamente inviável. Porque quando não se diz nada é como se se dissesse qualquer coisa. E qualquer coisa (a gente sabe): nunca é suficiente. Mas ali, não. Não havia a memória de uma linguagem, nem de convenções pré-existentes, dessas que as mães ensinam às filhas: é feio encarar as pessoas. Então não havia o conceito de silêncio desconfortável.
O espaço entre a gente era uma lâmina de ausência de som tão minha quanto sua. E isso tinha textura de maria-mole. Eu me lembrei de todas aquelas festas juninas com as bandeirolas já caindo no fim da noite. As tranças das meninas já assimétricas, um lado não correspondia ao outro. As caipirices só aparecem mesmo no final. Você riu.
A palavra era um par de óculos escuros em breu completo. Era um desses bens de consumo que a gente não se lembra que existem.
Mas no final eu quebrava tudo aquilo: chamava o garçom. (Não tinha o seu despudor de subir na mesa.) Moço, me vê um milk-shake de baunilha. Bastante calda de caramelo, por favor.