Aquele dia em que eu te encontrei no metrô. Coincidência termos ido parar na mesma estação, no mesmo minuto. As direções opostas tornaram possível que você me olhasse. E que eu não fugisse. Duas trilhas paralelas entre nossos corpos em pé. O mundo inteiro entre nós. E eu me senti segura.
Você ia pro sul. Usava um sapato que eu nunca tinha visto. Pensou um milhão de coisas enquanto esperava o trem. Que eu vi. Quase concordei, quase dei palpite. Quase.
Um grupo de surdos-mudos conversavam animadamente perto de você. Gesticulavam rápido, riam em silêncio: uma linguagem bonita, sem atropelamentos. Você me perguntou se eu achava aquilo tudo justo. (O mundo.) Mas sem pronunciar sílabas, sem esboçar reações. Eu disse que não, bem baixinho, mas disse. Os seus olhos me sussurraram um monte de dúvida e angústia.
Eu esperava. Ia pro norte. Percebi o meu reflexo no chão. Fiquei ali, entre a minha imagem distorcida e aquilo que eu acreditava ser você. Não tinha coragem de te encarar por tanto tempo; lembrei da minha mãe dizendo que isso era feio. A voz aveludada da moça do auto-falante interrompeu a valsinha que ecoava no subterrâneo. Pra anunciar uma empresa de telefone celular qualquer. Um executivo conversava com uma moça do meu lado. Mas nada que eu pudesse entender. Tanto barulho acabou sendo o pano de fundo do nosso silêncio. Eu quis te contar do meu dia, das minhas viagens, da minha vida inteira.
Você sabia alguma língua que eu não sabia. Talvez alemão.
Mas um barulho maior nos seqüestrou o transe, calou todos os outros. Devia ser o trem. O vento balançou o seu cabelo e de todos os meninos que não falavam. (Nem ouviam.) Os nossos cabelos, aqui do lado de cá, todos intactos. Imóveis. O seu trem chegou. Você hesitou em ir embora. Que eu sei. Mas foi. Me deixou ali sozinha, no frio. Não faz mal, eu entendo. Mas não me peça pra esquecer aquelas coisas todas que você não me disse. As palavras suspensas na poeira deixada. Pelo trem que te levou pra longe.
Longe é um lugar que eu não sei chegar.
E nem quero: a solidão só deve ser compartilhada uma vez. Depois vira outra coisa.