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domingo, maio 23, 2004  


Gravidade

A gestação da liberdade me tomba. Me leva ao chão, nariz e dentes, sem mãos espalmadas, de vontade de estar longe.

Acho que os limites são ilusão da minha cabeça submissa, meu cérebro lavado por seus músculos da face contraídos, voz firme e hipocrisia vestida elegantemente com máscara de porcelana e meia importada. Todas gotas engrossando a correnteza que me traz de volta ao ponto de origem. Justamente onde começou essa circunferência. A água lava embora todo o grafite que meu compasso rabiscou. Eu mais uma vez refém da minha constituição fisiológica. Meus tecidos me reprovam, meus movimentos respiratórios me censuram. Metade da minha genética toda armada-e-apontada. Inocula peçonha sem antídoto por trás desses olhos que aprenderam que não chorar é sempre mais digno. Porque é preciso manter a honra de fortaleza, a fama que me empenhei em construir esses anos todos. (Alguma coisa pra deixar de herança pra esses meninos, os tempos andam tão difíceis.) Tijolo após tijolo, os muros altos, as fechaduras sem chaves. Mas uma incrível vista para o mar. Não sei de onde tirei tudo isso: mulher não chora.

Tarde demais. Um estrondo se aproximou e ele se esvaiu em gestos mecânicos. Escorreu por entre meus dedos e não sobrou nem mesmo um milímetro de mim que não estivesse instantaneamente procurando por ele. Dentro dos armários, no ralo da pia, no visor do telefone. Qualquer superfície palpável. Mas nada. O mundo inteiro sem textura. Ele longe: cabeça, tronco e membros. O resto do meu sorvete derretendo, se desfigurando, sem gosto e sem sentido. A metade do meu bolo de chocolate ainda intacta. Cheia de pena e carinho perdido. Foram pro lixo.

Não, eu não tenho pressa. Eu tenho um velocímetro estagnado em 60 aqui dentro. Por isso ultrapasso o permitido. Por isso saio atropelando as mentiras dos outros por aí. Elas andam desavisadas, de mãos dadas com fatos inegáveis (não sei mais quem é quem). Brincam de gato-mia em cima do meio fio e na faixa de pedestre. Sempre que o sinal está aberto para mim.

Se pudesse não estaria mais. Aqui.
Estaria olhos sem culpa, mãos vermelhas de segurar alças de bolsas. Alguns poucos discos. E uma única fotografia de um momento que um dia julguei ser de união. Hoje já não sei mais.
Se quero ser tudo isso mesmo.

   posted by Fernanda at 3:06 AM (imagens)

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