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terça-feira, abril 27, 2004  

[O texto abaixo é translúcido, reflete nos outros que já foram aqui postados. E pela primeira vez em todo esse tempo não é meu. É do meu tio, irmão da minha mãe. A genética faz estardalhaços na minha frente de quando em quando. Ele (o autor) sempre querido, imerso em lembrança e carinho. Meu tio Arthur.]

A luz vem sempre do céu


Chovia o suficiente para turvar a visão. No banco de trás do automóvel, o passageiro, sozinho, em terra estranha, foi levado a divagar. Perdido em pensamentos, se encontrava. O barulhinho da chuva, pipocando no vidro, o transportou para a infância. O menino embevecido, no silêncio da noite, com o brilho da lua. A fascinação pelas estrelas. Aqueles pontinhos de luz que agarravam seu olhar. Passou o resto da vida mirando o céu.

O som estridente da buzina o trouxe de volta ao presente. Dentre em breve, receberia o merecido reconhecimento. Por alguns momentos, o cientista, cuja existência fora marcada pelo estudo dos corpos celestes, seria o astro. Nem em parte era orgulho, tomado que estava pela tensão. Resolvera aproveitar o foco dos holofotes para revelar ao mundo um grande segredo. Ninguém mais o sabia. Não o compartilhara sequer com o mais próximo dos colaboradores.

Desde pequeno revelara talento para as coisas do firmamento. Todas as sofridas etapas, necessárias à formação de um astrônomo de renome, foram vencidas por sua absoluta dedicação. Hoje era, de todos, o mais respeitado. Não teve filhos. Fez apenas da ciência sua eterna companheira. O observatório era seu lar. Encarava a solidão, resignado, pois, a cada êxito profissional, encontrava a compensação.

Foi o som do rádio que, desta vez, o despertou. A fala ininteligível o levou a tatear o bolso. O discurso, cuidadosamente escrito, estava lá.

Demorou a se convencer da validade científica de sua descoberta. Testou exaustivamente o resultado da pesquisa. Os asteróides sempre o encantaram. Corpos errantes que passeavam pelo espaço. Talvez com eles se identificasse. Afinal, sempre vagou pela vida, alheio às órbitas estabelecidas. Diferentemente dos outros meninos, as estrelas eram sua única brincadeira. Enquanto os rapazes namoravam ao luar, ele se enamorava da lua. Mas foi pelos asteróides que se apaixonou. De muitos se suspeitou que pudessem ameaçar a Terra. Só ele, contudo, vislumbrou a ameaça verdadeira. O choque com o nosso planeta era inexorável. Sempre o intrigara por que estaria tal asteróide sendo atraído em nossa direção.

O pedinte, batendo no vidro, o afastou dos devaneios. Vivenciou uma infância pobre. Infelizmente, comum no chamado Terceiro Mundo. Conhecia, por experiência própria, o que era viver na escassez.

- Senhoras e senhores, o prêmio da União Internacional Astronômica é concedido ao mais importante astrônomo da atualidade.

O discurso foi esquecido no paletó. Não pronunciou qualquer palavra de agradecimento. Queria mesmo causar impacto. A medida em que falava, a platéia retribuía com absoluto silêncio. Até se ouvia o ruído das câmeras de televisão.

- Não é apenas mais um asteróide. Este vem mesmo em nossa direção. Pelo tamanho, não há como destruí-lo. Nosso planeta explodirá em cacos. Da humanidade, nada restará. Algo o traz ao nosso encontro, com uma força avassaladora, que o afasta de sua rota original. Pelos meus cálculos, estimo cerca de um ano até o fim dos tempos. Não foi difícil descobrir a origem da força atrativa, quando constatei que provinha, predominantemente, do continente africano. Senhoras e senhores, me envergonha dizê-lo, mas é a fome que pode provocar a extinção da humanidade. A força que atrai o asteróide é gerada pelos milhões de corpos, permanentes famintos, que habitam nosso planeta. Nesta revelação coloco em jogo toda a credibilidade científica que este prêmio ratifica. Só eliminando esta energia destrutiva poderemos afastar o perigo que nos ameaça.

Demorou até que os flashes começassem a espocar. Enquanto isto, o velho cientista encarava, pela última vez, a platéia. A passos lentos deixou o palco. Olhares atônitos o seguiam. Cumprira sua missão. Para a humanidade, a partir de então, solidariedade passou a significar sobrevivência.
   posted by Fernanda at 12:41 AM (imagens)

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