Sim, o morno, o frio, as roupas tentando proteger. Orelhas e narizes formigam, quase em chamas, evoluindo para desintegração inevitável. O tecido sem oxigênio. Ameaça morrer.
Penso nisso todos os dias.
Uma camada espessa de matéria intransponível entre nossos poros. Matéria indizível, recém inventada. Gelo que se distribui uniformemente ao longo do suco. Não flutua, não afunda. Fica suspenso entre céu e inferno. Lugares que, eu sei, não existem mais.
Nossa religião não permite.
Ela tem a pele quente do verão gingado. Emana luz entre sorrisos. Raios inevitáveis em diferentes direções. Mas a claridade o incomoda e ele, sem óculos escuros – acessório indispensável na cidade purgatório – franze por dentro. Enruga os olhos e deixa que o restaurante barulhento lhe sugue as expressões. Todas as bocas profanas agora contêm canudos. Ele perde força e existência. Quase desfalece. Automatiza os próprios sentidos e as palavras de despedida. Que saem monotônicas, mecanizadas, praticamente digitais. Doeram de ouvir. Mas ela não ouviu. Acredita ter adquirido novamente a propriedade de posse sobre a própria abstração. Comprou-a de volta. E diariamente, antes de dormir, tenta convencer-se sobre as maravilhas do livre arbítrio. Mas é hipócrita como todas as outras. Chora sempre que cai. Em si.
O tempo os enganou. Tangenciou de leve a sétima arte e os tornou espectadores da própria história. A vida imita a própria vida: um plágio após o outro. E o vazio entre eles, ela sente. Sente pérfuro-cortantes no fígado à noite. (Ainda mais porque sabe disso: não existe dor hepática.) Ele nega, cega. Não enxerga nada mais com os olhos vermelhos de cansaço auto-denominado.
Paris é lugar para pares. Mas ela vai sozinha. E ele também.