A impotência é uma centopéia que desfila em todos os meus centímetros imperfeitos. É uma bebida vermelha e opaca, cheia de luxúria disfarçada. Seu gosto é questionável e, ainda assim, é ela quem me aprecia com moderação. Engulo-a de uma só vez, como xarope para gripe, e ela ateia fogo na garganta e depois, lentamente, nas vísceras intactas.
O meu descuido se reproduz em progressão geométrica. Produz cicatrizes precoces em presentes de natal, derrota minhas próprias tentativas de progredir e esfacela um continente inteiro. Me resta apenas ela, a impotência. Sempre escondida atrás das cortinas enquanto tento me degladiar com um ser agonizante numa maca de metal. O médico vira-se para os pais do jovem e diz: nós fizemos o máximo que pudemos. O irremediável venceu novamente. E talvez seja, de fato, pior para quem fica.
As discussões sócio-políticas à mesa de jantar, configurando um verdadeiro debate de mentes supostamente cultas, não se iluda: serão sempre apenas discussões sócio-políticas à mesa de jantar. Assim, sem artigo definido precedente. Porque não se diferenciam umas das outras, apenas repetem-se ano após ano. São vagas, ridiculamente vagas. Um bombardeio de estatísticas econômicas, uma hemorragia de informações redundantes. Um exibicionismo despropositado de dados reciclados por bocas burguesas que alimentam-se devidamente. A mesa é farta, a carne é fraca e o resto todo é de um pedantismo nauseante.
Porque o continente continua sangrando, aidético e faminto. Enquanto comemos variedades de saladas, assistimos ao filme do momento e abortamos acidentes de percurso. É aqui que nos tornamos esvaziados pelo nosso próprio discurso. Estamos desarmados de nossa própria argumentação.
Mas não se sinta paralítico, não tenha medo de mim.
Tenha raiva. Tenha ódio. Tenha a sede do absurdo. Porque é nela que mora o antídoto. A vacina contra a impotência. Essa desculpa que criamos para a redenção do nosso próprio fracasso.
A impotência é uma ilusão, não existe.
É apenas mais um doce eufemismo.