Por uma noite ela pensou ser a única a chorar pela cicatriz que não tinha. Porque preferiu a plasticidade estética do bisturi. Com doses cavalares de anestésico, é claro. Um dia decidiu-se: deitou-se, dormiu e, quando acordou, mágica, o conserto estava pronto. O pós-operatório foi pesado. As sessões de análise foram exaustivas. Mas a aceitação geral compensou todo o procedimento, principalmente a sua própria aceitação, que era só sua e de mais ninguém. Sentia-se vitoriosa diante das próprias decisões e apenas isso lhe bastaria.
Mas enganou-se. Enganou-se porque um dia teve medo. De não ter ido além de suas resoluções praticamente decorativas que agora, ao invés de escolha, denunciavam a vaidade e a covardia, típicas dos seres que ela costumava secretamente desprezar.
Então desejou as cicatrizes e fez pior: invejou-as noite adentro. Pensou que gostaria de tê-las deixado abertas por mais tempo. Para que fossem curadas homeopaticamente, botanicamente. Empiricamente, talvez. Tratamento sem comprovação científica prévia. Feridas abertas a sol e vento, chuva ácida e efeito estufa. Que venha a necrose, que venha a gangrena. Já não se importava mais com rostos registráveis ou histórias fotogênicas.
Porque o espelho não sabia mais revelar a identidade, plastificada, enterrada sob o concreto protetor de seus fracassos.
Pensou que devesse ter se entregue vendada à própria exaustão, afundando-se num colchão macio feito da mágoa e do inesperado. Noites de amor e sofrimento convergentes. Sem nomes psiquiatricamente estereotipados.
Só ela e a própria dor.