O pé encosta cuidadoso no mármore molhado. A água é muito quente ou muito fria, dificilmente equilibrável. É preciso ser minucioso com as torneiras.
Mas às duas da manhã nada é inesgotável e a paciência é uma lembrança longínqua, quase apagada pela tensão afirmativa das primeiras horas da segunda-feira.
A cabeça lateja e formiga. Se inclina para trás, inconsciente, e se permite molhar. Os olhos pesam e parecem não saber mais resistir. Não há cafeína que os convença de que o cansaço é uma ilusão do mundo moderno.
Não querer mais qualquer coisa além de deixar-se encharcar por dentro. Não querer fotografias, não querer o mar, não querer se entrelaçar a nada mais. Apenas a água deslizando sobre os olhos impermeáveis.
Os pingos são grossos e machucam o rosto. As pálpebras se entregam com uma displicência quase ideológica. E só então se percebem delgadas. Frustradas. Sentem-se incapazes de suportar o peso das gotas quentes. Incapazes de proteger o vidro das janelas. Vidro límpido, transparente, impecável. As gotas são as pedras que vêm dos estilingues dos moleques da rua. As cortinas são frágeis. Mas o vidro, ainda bem, é resistente. E resiste bravamente ao apedrejamento de letras, de pingos d’água e de livros biblicamente médicos. Tudo isso dói e tenta descascar o corpo fraco.
A espuma é lavada embora. A toalha envolve e junta os pedaços picotados que vão sendo, pouco a pouco, remendados. Como uma colcha de retalhos. A água evapora e embaça espelho.
A semana herdou apenas dívidas de noites esquecidas no sótão e encontradas em baixo do chuveiro.
Os olhos se fecham, vitoriosos.
Por algumas horas apenas.
Mas se fecham.
Vitoriosos.