- Hoje eu vou à praia.
- Ela está lá todo dia mesmo...
- E daí? Mas hoje eu vou. Pra comemorar.
- Comemorar o quê? Tenho muito o que fazer, isso sim.
- Me concede o direito de felicidade por alguns minutos?
- Falando assim parece até que eu sou uma invejosa.
- Não, não é invejosa. Você é uma assustada.
- Assustada?
Se espantou.
- Olha, eu não vou te explicar nada. Não adianta nem pedir.
- Você não pode me chamar de assustada e depois não se explicar.
- Dá pra gente ter um pouquinho de paz? Pelo menos até chegar no carro.
Atendeu o pedido. Mas murmurou baixinho:
- Você que está nervoso...
Nervoso, eu, falando de ir à praia e tudo. Vou fingir que não ouvi.
E foram sem falar nada até o carro. Deram 2 reais pro moço e foram embora.
- Você vai continuar calado?
- Hã?
- A gente já está em Copacabana e você não falou uma palavra.
- Eu acho que você está se preocupando à toa, só isso.
- Me preocupando? Com o que?
- Você sabe com que.
- Ah. Como assim estou me preocupando à toa? Meu futuro pra você é uma coisa assim, à toa? Bom saber...
- Não, não é. Mas você tá sofrendo antecipadamente.
Engoliu a raiva. Prendeu os cabelos. Olhou pela janela: o dia estava lindo.
- Acho que vai chover.
- Acha, é? Por que você diz isso?
- Fez muito calor esses dias. Está na hora chover.
- Poxa, que coincidência. Bem no dia que eu queria ir à praia.
- É sério, deu na previsão.
- Eu detesto a previsão, eles sempre erram.
- Eu gosto de me antecipar. Pra saber se eu levo um guarda-chuva ou não quando saio de casa.
- Trouxe guarda-chuva hoje?
- Não.
- Ué, por que? Não levou fé na previsão?
- É meio-dia ainda. Vai chover mais tarde.
- Ah, é? Que horas mais ou menos, você sabe?
- O nome é previsão e não precisão.
- Pena... Queria saber se devia levar ou não meu guarda-chuva pra praia.
- Falando nisso, você me deve um guarda-chuva.
- Eu sei, aquele que eu perdi no teatro.
- Pois é.
- Você pode ficar com o meu se quiser. Eu passo em casa antes de te deixar e pego meu guarda-chuva.
- Não, não precisa. Eu tenho um reserva.
- Quantos guarda-chuvas você compra por mês?
- Eu tinha três. Você perdeu dois, agora eu tenho um.
- Então, por isso mesmo, e se você perder esse um?
- Eu não vou perder. Não sou o tipo de pessoa previsível que perde guarda-chuvas.
- Mesmo assim. Faço questão que você fique com o meu. Assim você fica preparada pra chuva de hoje.
- E você? Não vai levar nenhum pra praia?
- Onde já se viu ir à praia com guarda-chuva? O cúmulo do pessimismo, não acha?
- Não, não acho.
- E, além do mais, uma chuvinha de verão não faz mal a ninguém.
Se lembraram das várias chuvas de verão que já pegaram. Nenhuma específica, apenas genericamente pensando. Mas, obviamente, ninguém falou nada.
- Vem. Vamos lá em cima pegar o bendito guarda-chuva.
- Eu já falei que não precisa, nem sei por que você veio pra cá.
- Vai ficar aí no carro? Vou trancar...
Saiu do carro, contrariada, e subiram os dois.
- Quer um suco?
- Não, obrigada.
Com a última sílaba, um trovão. Os dois incrédulos correram até a janela.
- Mas como você é agourenta.
- ...
- Quando passar a chuva eu te levo pra casa.
- Passa esse guarda-chuva pra cá que eu vou agora.
- Ah, não vai, não.
- Vou sim.
- Não vai... é perigoso.
- Você acha que eu tenho medo de chuva?
Os pingos caíam grossos, machucavam as pedras portuguesas lá em baixo. Os relâmpagos clareavam o que já era dia. O trovão ladrava. Mas não mordia.
- Acho.
- Pois então se engana. Passa esse guarda-chuva, anda.
Ele segurou no cabo do guarda-chuva, apontando-lhe a ponta. Ela achou estranho, mas segurou mesmo assim. Segurou com força. Ele puxou o guarda-chuva de volta. E ela veio junto, involuntária. Ele beijou e ela não mostrou resistência, pela primeira vez no dia.
- Almoça comigo. Depois, quando passar a chuva, te levo em casa.
- Aposto que não tem comida nenhuma.
- Ter, tem. É só fazer.
Ela fazia um ravioli ao funghi maravilhoso. Ele vivia de omelete.
- Ah, entendi.