Se eu perdesse a luminosidade você ainda seria capaz de me enxergar? Se eu esquecesse a velocidade das ondas sonoras você ainda ouviria as minhas notas arranhadas?
Às vezes tenho medo de não conseguir mais ser brasa, brisa, nova, neve. Ardendo em chamas como gelo e fogo. Pra manter as coisas vivas aqui dentro e lá fora. Me peça alguma coisa.
Posso ser uma orquestra de jazz se você quiser. Posso ser o prelúdio em dó menor de Bach, com aquela dinâmica de charme e tristeza. Mas não peça que me torne uma banda de rock, assim, de repente. Posso não estar preparada para toda a loucura, a força e o desprendimento que o rock exige. Não me entenda mal: eu preciso do rock em todas as suas pretensões de incorporar a língua, a saliva e os dentes de nossos sentimentos modernos. O problema é que não sei bem como provocar um tornado de verdade e fúria. Então peço a tempestade emprestada ao rock. Às vezes me esqueço de devolver e ela me torna inconstante e incompreensível.
Tenho medo de me tornar ilegível. De misturar sentimentos exagerados a uma prolixidade confusa dentro de um liquidificador quebrado. E de ser hipnotizada pelas espirais formadas lá dentro e, depois, servir um suco intragável de emoções com prazo de validade vencido. Gerando uma intoxicação generalizada. Inclusive a minha própria. Me peça algo concreto agora. Nada que eu possa abstrair o sentido e me esconder atrás de palavras metaforizadas. Me peça um beijo.
Você fala sem parar. Eu ainda não aprendi a dosar meus silêncios perdidos entre cada uma de suas fascinantes impressões. Um filme, um poeta, uma reportagem, uma história de um desconhecido. Um trunfo, uma derrota. E todas as suas conclusões imperfeitas. Te dou um conselho redundante e você fala daquela minha mania, daquela coisa de querer cuidar do mundo. Eu finjo ficar com raiva. Você sorri e muda de assunto. E o céu muda de cor.
Mas o nosso filme é preto e branco.