A noite cai e ela bebe.
Jaqueta de couro até o joelho, cabelos cacheados, olhos azuis e pequeninos.
Um menino cochicha que ela parece um anjinho.
E ela finge estar surpresa, finge estar lisonjeda, finge ter ouvido palavras inéditas. Depois pensa algo inaudivelmente imprevisível. O rapaz some. Outros virão.
A música ensurdece e ela dança. Fecha os olhos e deixa-se embalar.
Os amigos chegam às duas e gritam seu nome. Ela grita de volta e ilumina a pista. Eles vem ao seu encontro e a abraçam, com intimidade e indiferença bem dosadas. São todos altos e magros. Um deles veste plumas e paetês e cumprimenta a todos, que riem escandalosamente sempre que ele abre a boca. O outro veio de preto, cabelos lisos e compridos, cigarrinho entre os dedos e muito charme em todos os nuances. A outra usa uma saia de couro vermelha, meia arrastão e ainda assim não parece vulgar. Alguém comenta, inocentemente, que gente cool é um caso sério...
A festa se abarrota. Enquanto isso ela dança. E não há uma única pessoa que ainda não a tenha percebido. Que não tenha se perguntado quem ela é, onde ela mora, por que ela ri. Que não tenha experimentado uma pontinha de inveja de todo o carisma de quem não precisa falar uma palavra para ter luz e vida próprias.
A noite cai. E ela bebe mais um pouco. Já se foram 4 margueritas e 2 tequilas. Ela sempre foi forte pra bebida: pai ausente, mãe alcoólatra, você conhece o histórico. Mas ali, enquanto ela recebe elogios e abraços afetuosos, você nem imagina. Na sua frente ela é beldade, real e anjo inatingível. Mas você sabe: à noite todos os gatos são pardos. Quando a manhã transparecer e a música cessar, ela te olhará no fundo dos olhos e desaparecerá, de mãos e braços dados com os amigos e fiéis escudeiros. Eles riem e contam-lhe histórias inacreditáveis, disputando sua atenção como crianças. Ela olha pra trás, pra você e pra todos ao redor. Como final de filme em câmera lenta. O olhar é triste e vazio como você nunca imaginou. Você sentirá um frio interno inexplicável enquanto ela desaparecerá pela porta da frente. Para se tornar apenas uma lembrança surreal das noitadas da juventude. Você comentará sobre ela com algum colega de trabalho, depois com seu filho e quem sabe até com o neto. E ela se eternizará como aquela mulher incrível que você não conheceu.
Aquela que cai enquanto a noite bebe.
Agora não importa. Mas, por favor, nunca me pergunte se a conheço de algum lugar. Nunca me pergunte sobre seus mistérios e suas milhares de palavras profundas proferidas aos ouvidos alheios. Abafadas pela música que estremece o chão. Ela é um ser humano que fala meio tom acima dos demais.