Porque quando eu canso de mim, me intoxico um pouco dele: recupero tudo o que achava que estava perdido. As cores e o calor dignos de um Almodovar. Porque eu peço os sucos certos e os crepes que derretem na boca. Ele sempre erra.
Porque ele me tenta a questionar as aparências, que enganam mais do que eu pensava. Os princípios sociais, a posição política e os mistérios da fé. Sem tornar tudo uma grande discussão banal numa mesinha pra dois. Com florzinha no vaso e lápis de cera no potinho. (Ele me desenha e diz que não é você, sua pretenciosa.) Me faz ignorar os conceitos pré-estabelecidos. Pra que eu possa ser livre pra aprender as coisas velhas e arcaicas sob um ponto de vista inusitado. E ousado: ele é o rei da ousadia de idéias. Depois de tantas palavras e julgamentos sobre algum detalhe desprezível, mesmo que ele concorde comigo, sustenta uma polêmica. Porque secretamente eu sei (e ele também) que já háviamos chegado a um acordo. Mas esse não era o objetivo.
Ele sabe que detesto salto alto porque morro de dor e que não posso comer presunto porque passo mal. Ele sabe das frescuras e das esquisitices, das neuras e das contradições. Eu fico com vergonha, mas passa logo, questão de minutos (ou beijos quem sabe). Ele me chama de boba e as coisas se reconfiguram entre risos e silêncios. Porque talvez o silêncio seja a maneira mais eficaz de conhecer uma pessoa. O silêncio e os momentos críticos, quando falta água, dinheiro, tempo. O silêncio é o olhar e o momento crítico é o limite.
Ele sabe que sou louca por ele. Mas às vezes finge que não sabe. E eu finjo que não sou. Só pras coisas não ficarem fáceis demais... Como se fizesse alguma diferença na relação entre as coisas que eu adoro e aquelas que ele percebe ou porque são óbvias demais ou porque acabo confessando, nos famosos momentos de fraqueza. Só que, antes, ele não gostava de também. E nem de misturar as coisas. Talvez não seja eu a única a assimilar novos conceito.
Porque não há nada a ser provado a ninguém. Que somos equilibrados, que somos adultos, que somos perfeitos um para o outro. Mas, principalmente, que não somos ridiculamente piegas. Quem se importa com as convenções? Quanto devemos pagar ao mundo para que eu possa simplesmente estar aí e você aqui?