Bebel
Bruna
Coga

Francisco
Gabi
Gil
Joana
Ligia
Mari
Moca
Rabuja
Rosana





Arquivos





terça-feira, abril 22, 2003  


Mais do mesmo

Os dias passam, os feriados, as brigas, os risos, as semanas de provas. Mas não me sai da cabeça aquela sensação louca, naquele lugar que transpira vida, beleza e poesia agressiva.

Pular de bungee é mais do que mandar um sonoro foda-se pro mundo. É dizer sim ao convite da vida de que falava o sábio moço naquele filme inesquecível.

A vida te convida à simplicidade de um mergulho no meio de dois cannyons gigantescos, lindos, cheios de cores que eu nunca mais vou encontrar. Um convite que inclui se esquecer de todos os nós que te enlaçam e te comprometem com tantas coisas. Vamos acertar as contas, eu disse pro mundo. Me ensina as tuas manhas e os teus mistérios que eu me submeto a nada além da mais intensa e concreta força que te move. Essa força tão comprovável e tão óbvia que conhecemos tão bem. Sim, a gravidade. Por 8 segundos quero SER a gravidade. Só pra testar o seu poder invencível, a sua força descomunal.

Eu diria que esse é um esporte que tem 3 fases. A primeira, e mais difícil delas, é a iniciativa de pular. Começa lá em cima, na casinha suspensa por um fio enorme, exatamente no meio das duas montanhas encantadas. A casinha balança com o vento, mas ninguém repara nisso. O chão é de vidro e a tentação de olhar pra baixo é praticamente irresistível. Os amigos se abraçam, apertam os lábios, falam coisas nervosas, sem sentido, e hesitam, hesitam... De repente uma anuncia ter desistido. Os outros 7 se unem no compromisso de convencê-la a pular. Usam todas aquelas expressões clichés do tipo “você vai se arrepender pro resto de sua vida”. Mas tudo isso é muito mágico e único naquele momento. Nada é cliché quando se pula do maior bungee de todos: os suíços não se manifestam quanto ao deles, o da África do Sul está fechado, o do Colorado ainda não ficou pronto (mas estou anciosa pelos 308 metros...)

No final das contas, todo mundo pula. O segredo é parar de pensar e pronto – sem mais explicações. Aí começa o segundo momento que consiste no pulo (queda?) em si. Você vai até a pontinha de uma tábua, em passinhos bem pequenos, afinal seus pés estão amarrados um ao outro. Sorri para a foto (no meu caso, o máximo que consegui foi uma careta... pra descontrair) e pula. Daí pra frente são 8 segundos intermináveis nos quais você se torna capaz de sair do ar nos últimos microssegundos. Sem substâncias químicas, sem acidente de automóvel, sem depressão profunda. Sair do ar naturalmente (ou quase). Esvaziar tudo e deixar-se imensamente vulnerável, mesmo que de forma reversível, à senhora gravidade; vamos reverenciá-la, mais respeito, por favor. O rio lindíssimo lá em baixo se aproxima, se aproxima mais e mais e de repente se afasta de novo. A corda te puxou. Voltam as cores, o vento no seu cabelo e os amigos gritando seu nome lá em cima. Você nem se lembrava de como eram as coisas antes daquele silêncio absoluto. Volta a sua voz e você grita pra comemorar. Eles gritam de volta, lá em cima, e você ri da comunicação esdrúxula e fascinante. Você sobe e cai. Sobe. E cai. Como a trilha sonora daquele filme, que se situa entre tangos abusados e noturnos deprimidos. Porque a vida é um eterno sobe e desce... ou não é? Quando você percebe que pode começar a dançar ao som de um tango decidido e se deixar contaminar pela sua força vermelha, vem um noturno tristíssimo que não te deixa sequer levantar da cadeira pra arranjar um par.

Você quer um amor, um banho de cachoeira, uma cama quentinha e fé em alguma coisa. Quer subir, voltar pra casinha e viver tudo aquilo que te espera lá em cima. Inclusive os sonhos que nunca se realizarão. Você puxa uma cordinha pra sentar, presa pelo quadril, pra não subir o caminho todo de volta vagarosamente de cabeça pra baixo. Pronto. Aproveita a vista que, agora, é só sua. A corda termina de te puxar, os caras te ajudam e você pisa no chão da casinha de novo. Os pés formigam dentro do tênis. As palavras não saem porque tudo treme, mas você consegue agradecer aos caras, que te desamarram, e dizer que aquilo foi... Seus amigos vêem ao seu encontro, te abraçam e te fazem perguntas. Você acha aquilo tudo muito terno porque amigo de estrada é uma coisa louca e sagrada.

Mas não dá pra responder, nem pra falar algo além de palavrões, exclamações, gritos. Eu esqueci que chão é uma coisa suja e deitei naquele chão de vidro, sã e salva numa casinha-pêndulo a uma altura que antes eu era incapaz de imaginar. E olhei, através do chão, mais gente saltando, passando pelas etapas cruciais... Indo até lá em baixo, bem pertinho do rio, até onde eu perdia o corpinho voador de vista. Olhei uma, duas, cinco pessoas depois de mim. Todas indo hesitantes, desaparecendo por microssegundos e voltando afônicas, diluídas em adrenalina. Todas. Pessoinhas lindas, corajosas. Felizes.

Depois você vai com os seus amigos malucos sentar em volta de uma mesa cheia de pizzas e histórias. As mesmas histórias incansavelmente repetidas que você e aquelas pessoas vão sempre partilhar. Uma coisa meio abobalhada, excessivamente detalhada, meio Disney pela primeira vez. Dali pra frente, sempre que possível, se lembre, porque recordar é viver de novo toda aquela sensação de nada e tudo ao mesmo tempo.

Porque pular de bungee é algo completamente desprovido de regras. Eu sei que isso é redundante. Mas existe apenas um pecado capital, grave, perigoso, que eu sei que você não vai cometer.
Olhar pra baixo.

   posted by Fernanda at 4:09 PM (imagens)

Comments:



Comments:


Powered by Blogger
Site Meter