“God couldn’t be everywhere. So he created grandmothers”
Avós são criaturas fofas. Mais que isso; fofas é uma palavra muito terrena e mundana pra definir essa ternura e essa bagagem cheia de histórias que eles carregam.
Estou aqui na casa dos meus avós, na serra, e sempre que fico perto deles me apaixono mais um pouquinho pela vida.
Minha avó está tocando La Vie En Rose. Foi assim: um belo dia eles resolveram aprender teclado e eu, como já tinha enjoado da coisa, dei o meu pra eles. Eles tiveram umas aulas e se entusiasmaram. Mas aquele meu teclado estava muito ultrapassado, então eles compraram um todo maravilhoso e sempre que eu venho aqui tiro uma casquinha do teclado deles, que tem até drive pra disquete 3½.
Meu avô fica irritado porque eu toco tudo de ouvido e ele fica horas e horas treinando uma mesma música pra tocá-la cambaleante, sem dinâmica e fora do ritmo. Fofo...
Enquanto estudo (na sala) peço a minha irmã que abaixe o volume da tv (lá em cima). Pra ouvir meu avô tocar (lá de dentro).
Às vezes não resisto. Vou lá ensiná-lo alguma coisa. Como fiz com o finalzinho de Asa Branca, que estava um tanto quanto emperrado. Minha avó treina mais. Portanto toca melhor. E toca um montão de músicas. Um barato... Um pouco antes das 6 o meu avô a interrompe: “meu bem, vem tomar café!” Ele fez café pra eles. Que fofo.
Ela continua tocando e ele reclama que o café vai ficar frio, que ele já tomou sozinho e que agora está subindo pra tomar banho. Ela fala que já vai indo. Desliga o teclado e senta na cozinha calmamente pra tomar o café. Enquanto isso eu escrevo, descrevendo-lhe descaradamente. E penso que, se eu escrever uma autobiografia quando estiver velhinha, com filhos e netos criados e crescidos, meus avós certamente ganharão uns 7 capítulos só pra eles.
De manhã cedo eles caminham pelo condomínio, cheio de casas e cheio de verde. Mas quando eu acordo meu avô já caminhou, já tomou café, já tomou banho, já foi até a cidade, já leu o jornal inteiro. Eu olho pela janelinha do quarto e ele me cumprimenta expansivamente, dá bom dia e pergunta se dormi bem. (Meu avô é quase internacionalmente conhecido por ter um tom de voz exageradamente alto.) Depois volta a tomar conta da horta dele, distraído, mangueira e pá em punho, cantarolando músicas antigas. Do Nelson Rodrigues. Mas não é esse Nelson Rodrigues que você tá pensando. O do meu avô é mais antigo e canta que “a vida de casado é boa, mas a vida de solteiro é melhor.”
Vovó interrompe meus estudos e me conta da dieta que a ortomolecular receitou. Me pede opiniões, explicações, conselhos. Eu tento reunir mentalmente tudo o que sei depois de um mísero ano de medicina pra tentar falar alguma coisa válida.
Eu digo a ela que vou ser geriatra. Pra cuidar dela. E ela fica satisfeita. Mas que respeito alguém pode ter pela médica de quem trocou as fraldas??