São nesses momentos que o dom da palavra se torna impagável. Quando o dia termina e todos os seus aspectos continuam difusos, obtusos, confusos... Porque a expressão fiel às turbulências internas foi impossível ontem. E hoje acordou ainda mais inatingível.
Está implícita essa frustração com as palavras que não podem ser ditas. Ou com palavras incapazes de concretizar abstrações. Porque eu já tinha concluído: palavras são fúteis. Fúteis demais para que mereçam meus bons tratos. Fúteis demais para que lhe confie a missão de conter toda a sensibilidade. A sensibilidade dos musicais dos anos 30 e de cada pedaço de Abril. Que filme belo.
Palavras são insistentemente insuficientes. Mas eu tento ao menos. Tento fechar os olhos. Até que me escapam de novo, desmoronando a pretensão de pertencê-las ou ao menos dominá-las. Justamente na deixa que me consagraria. Então todos os pensamentos se tornam profanos, pois não foram capazes de se deixarem traduzir em som. EU me torno profana. Fria. Cínica. Silenciosamente irônica.
Penso na ingratidão a que nos rendemos. Nós, da área médica. Que tentamos desesperadamente não cobrar em troca nenhuma gota de humanidade. Ou de compreensão. Aprendi que tudo é troca. Troca, sim. Em troca de nosso tempo, nossa família, nosso lazer, nossa arte e nossa vida. Mas não me concedo o direito da cobrança. Não ainda.