Eu não sei o que algumas pessoas vêem na minha aura de tão acolhedor que resolvem me abordar sem mesmo saber meu nome e contar alguma história, algum problema, alguma teoria maluca. Uma vez uma menina do meu lado no ônibus começou a chorar e pediu conselhos amorosos. Outro dia sentou um velhinho que acabou se aproveitando da minha fragilidade em relação à terceira idade e me contou a vida dele inteira.
Hoje, enquanto eu estava andando da rua até a minha casa, um cara de chapéu, barba grisalha e óculos escuros foi se aproximando de mim, na direção oposta. Eu olhei ao redor pra ver qual era a minha situação. Tudo deserto. Seja o que Deus quiser então.
O cara estranho se aproxima com um sorriso e aperta a minha mão:
- Olá. Eu sou...
Eu me afasto em ato reflexo e finjo que não é comigo, numa atitude pra lá de patética por sinal.
- Não tenha medo de mim (pronto. Ele cheira a álcool.)
Eu simplesmente sorrio e solto a mão dele lentamente.
- Olha, eu vou te dizer... O meu nome é Alcir. Eu tenho uma filha de 26 anos e um filho de 28 anos e eu vou te dizer uma coisa.
Ele faz uma pausa... Mas como fede a álcool.. acho que é cachaça concentrada. - Eu vou te contar uma coisa. Você sabe... qual o seu nome?
- Fernanda.
- Fernanda. Meu nome é Alcir. Você sabe, Fernanda, qual é o segredo da vida?
Acho que o cheiro é de vodca. Além do mais ele tá muito bem vestido... Mas eu pergunto, relutante:
- Qual é?
- O grande segredo de tudo é você SER amor.
Outra pausa. Uns caras passam. Olho pra eles, mas acabei ficando invisível nessa história toda. O dia era nublado, quase chuvoso. E naquele momento só existia eu e o cara bêbado. Nada mais.
- E você sabe o que é ser amor?
Eu fiz que não com a cabeça.
- Ser amor é... Olha, Fernanda. Eu não tenho uma religião. Mas eu sei que o segredo da vida é ser amor. E ser amor é você exalar amor pelas axilas.
Nossa, o que foi essa frase? Ser amor é exalar amor pelas axilas. Mas ele exalava vodca por todos os poros e suspiros. - Você tem que exalar amor pra você ser feliz, entendeu, Fernanda? Eu sei do que eu to falando, eu tenho uma filho de 26 anos e uma filha de 28 anos.
Ué, não era o contrário? - Eu não sou religioso, não tenho uma religião definida.
Como os bêbados são repetitivos e enfadonhos... - Mas seja amor, Fernanda. Exale amor.
- É um bom conselho - eu sorri e fiz menção de continuar andando. Dessa vez ele me deixou ir. Alívio.